Pulsão de morte e compulsões: quando o excesso tenta silenciar o sofrimento
Na clínica, é comum que comportamentos compulsivos: uso de álcool, comida, compras, jogos ou relacionamentos abusivos, apareçam como tentativas de aliviar um mal-estar que o sujeito não consegue simbolizar. À primeira vista, parecem estratégias de busca por prazer. Mas, sob o olhar psicanalítico, revelam algo mais profundo: a atuação da pulsão de morte, conceito central na obra de Freud e frequentemente mal compreendido.
Além do princípio do prazer: o território da repetição
Freud, ao observar pacientes que repetiam experiências dolorosas sem conseguir extrair delas qualquer satisfação, percebeu que havia algo no psiquismo que ultrapassava o princípio do prazer. A pulsão de morte se manifesta justamente aí: na repetição que não produz vida, mas que tenta reduzir a excitação psíquica ao mínimo possível.
Nas compulsões, não se busca prazer. Busca-se anestesia.
Busca-se silenciar uma angústia que se impõe com força demais.
É por isso que a pessoa sabe que aquilo a machuca, mas repete. A repetição é a própria linguagem da pulsão de morte.
O excesso como defesa e como ataque
Compulsões funcionam de modo paradoxal. Ao mesmo tempo em que defendem o sujeito contra uma dor insuportável, também o ferem. São tentativas de “resolver” um conflito interno através de um corpo que age sem mediação psíquica.
Para André Green, nesses quadros ocorre uma ação direta sobre o próprio eu, uma forma de “desinvestimento”, uma tentativa de esvaziar o psiquismo para não sentir. O álcool, a comida, a pornografia, as compras ou o celular tornam-se objetos-medicamento: instrumentos para amortecer o vazio.
O sujeito não está em busca de algo que o satisfaça; está tentando não entrar em contato com aquilo que o angustia.
Quando o ato substitui o pensamento
Na compulsão, o pensamento é substituído pelo ato.
É como se o psiquismo dissesse: “Não consigo elaborar. Preciso agir.”
O ato compulsivo acontece no corpo porque, em algum ponto, houve falha ou impossibilidade de simbolização. Ferenczi descreve esse movimento como um colapso da capacidade de “metabolizar” emocionalmente certas experiências traumáticas. O sujeito, tomado por uma intensidade que não pode ser traduzida em palavras, tenta expulsar esse excesso através de ações repetitivas.
É nesse momento que a compulsão se torna uma espécie de “atalho psíquico”: rápida, eficaz e devastadora.
Uma luta silenciosa entre Eros e a pulsão de morte
A compulsão expressa a tensão que atravessa todos nós: o conflito entre as forças que querem viver, criar, desejar (Eros) e as que buscam a redução absoluta da excitação, um retorno ao inorgânico, à não-vida.
Quando Eros perde terreno, surgem comportamentos que aparentam ser cheios de vida (consumir, comer, beber, trabalhar, se relacionar), mas que na verdade corroem, empobrecem e repetem.
É uma vitalidade de superfície.
Por baixo, opera um esforço de apagar.
A clínica como um espaço para retomar o caminho
*O trabalho analítico possibilita que o sujeito, aos poucos, possa:
*nomear aquilo que antes só se repetia,
*compreender o sentido da compulsão no seu percurso de vida,
*acessar afetos que estavam anestesiados,
*instalar simbolização onde antes havia apenas ação.
O processo não é rápido, nem linear. Mas é justamente na presença contínua de um outro, o analista, que o sujeito pode encontrar novas formas de lidar com sua dor, sem precisar se destruir.
Quando o excesso fala por nós
Toda compulsão expressa uma história.
Um trauma, um vazio, um conflito, uma dor.
A pulsão de morte não é sobre desejar morrer; é sobre não suportar viver do modo como a vida está inscrita psiquicamente.
O tratamento não busca eliminar o sintoma imediatamente, busca escutar.
Porque, antes de ser um problema a ser corrigido, a compulsão é um pedido de socorro em forma de repetição.
E, quando esse pedido encontra espaço para ser ouvido, o sujeito pode finalmente começar a escrever um caminho que não esteja aprisionado ao ato, mas aberto ao desejo.
Conclusão
As compulsões, longe de serem simples “falta de força de vontade” ou escolhas equivocadas, revelam um conflito profundo no psiquismo. Quando o sujeito se vê capturado por repetições que o ferem, é porque algo não encontrou espaço para ser simbolizado, e a pulsão de morte ocupa esse vazio, oferecendo uma saída que alivia por um instante, mas aprisiona no longo prazo.
A clínica mostra que é somente quando esse circuito repetitivo pode ser colocado em palavras, olhado e elaborado no encontro analítico, que novas vias de vida se tornam possíveis. Entre Eros e a pulsão de morte, a psicanálise aposta na construção de um espaço em que o sujeito possa desejar, e não apenas repetir.
Se você percebe repetições ou compulsões que têm dificultado sua vida, saiba que não precisa enfrentar isso sozinho(a).
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