Ser uma mãe suficientemente boa: o cuidado que sustenta a vida psíquica


Donald Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, dedicou grande parte de sua obra a compreender algo essencial: como o cuidado molda o início da vida emocional. Em suas observações clínicas com bebês e mães, ele percebeu que o modo como a mãe “segura”, física e psiquicamente, o bebê é determinante para o desenvolvimento do self.


Para Winnicott, ser uma mãe suficientemente boa não é ser perfeita. É oferecer um ambiente que acolhe, protege e sustenta, permitindo que o bebê se sinta real e gradualmente confie na própria experiência.


Nos primeiros tempos de vida, o bebê está em um estado de dependência absoluta. Ele não distingue o que é “eu” e o que é “outro”. Nesse período, o que garante sua continuidade de ser é a presença constante e sensível da mãe, capaz de antecipar suas necessidades antes mesmo de serem expressas, um gesto de empatia quase instintiva que Winnicott chamou de preocupação materna primária.


Com o tempo, inevitavelmente, a mãe começa a “falhar”, e é justamente nessas pequenas falhas que o bebê se desenvolve. Ao não atender imediatamente todas as demandas, ela o ajuda a tolerar a frustração e a descobrir que o mundo existe para além de seus desejos imediatos. Surge, então, a base para a experiência da realidade e da separação psíquica.

Essa mãe “suficientemente boa” é aquela que sustenta e depois permite. Sustenta no início, quando o bebê ainda não tem estrutura para lidar com o mundo, e permite depois, quando ele começa a experimentar a autonomia.


O cuidado, portanto, é muito mais do que um ato físico de alimentar ou embalar. É uma forma de presença que comunica: “você pode existir”. É o holding, o “segurar” que envolve corpo, mente e afeto, e que dá ao bebê o sentido de continuidade e segurança interior.

Winnicott mostra que o self verdadeiro nasce do ambiente suficientemente bom. Quando esse ambiente falha de modo grave, o bebê precisa se adaptar excessivamente, construindo um falso self, uma máscara de funcionamento voltada a agradar ou sobreviver, mas que o afasta de sua espontaneidade.


Quando o ambiente falha de maneira significativa, quando o bebê não encontra um outro que o perceba, acolha e traduza suas necessidades, ele precisa se adaptar para sobreviver. Essa adaptação precoce cria o que Winnicott chamou de falso self: uma estrutura defensiva que se forma para proteger o self verdadeiro, ainda frágil e não integrado. O falso self cumpre uma função de sobrevivência, pois permite que o bebê continue existindo num ambiente que não o sustenta, mas ao custo de se afastar da espontaneidade e da autenticidade. Em vez de viver a partir de seus impulsos criativos, o sujeito passa a se moldar às expectativas do outro, desenvolvendo uma sensação interna de irrealidade, de viver uma vida “de fora para dentro”. Esse afastamento da experiência genuína de ser é uma das marcas do sofrimento psíquico que, mais tarde, pode se manifestar em formas sutis de vazio, apatia ou sensação de falsidade no viver.


Assim, o cuidado inicial tem um alcance que vai muito além da infância. Ele inaugura a possibilidade de sentir-se real, de confiar nos vínculos e de se abrir à experiência de viver. Ser uma mãe suficientemente boa é, portanto, oferecer o espaço onde o sujeito pode começar a ser.


Na experiência analítica, algo desse cuidado primeiro pode ser reencontrado. O setting oferece uma nova forma de holding, onde o analista, por meio de sua presença atenta e não intrusiva, cria um ambiente em que o self verdadeiro pode emergir novamente. Quando o paciente encontra um olhar que o sustenta sem exigir adaptação, ele pode, aos poucos, abandonar as defesas do falso self e recuperar a capacidade de sentir-se vivo e real. A análise, nesse sentido, não busca corrigir o passado, mas oferecer uma experiência relacional que repara: um espaço de confiança onde o sujeito se arrisca a existir de forma autêntica. É nesse cuidado silencioso, que escuta o não dito e acolhe o que antes não pôde ser sentido, que a possibilidade de ser se renova.


O processo analítico é um espaço de reencontro com o self verdadeiro, aquele que pode sentir, criar e existir com autenticidade. Às vezes, é preciso encontrar um lugar onde seja possível simplesmente ser.


Marque sua consulta e permita-se viver essa experiência de cuidado e escuta.

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